Terraços agrícolas no SPD

SOCIEDADE BRASILEIRA DE CIÊNCIA DO SOLO

NÚCLEO REGIONAL SUL

XV Reunião Sul-brasileira de Ciência do Solo

15 a 17 de setembro de 2024

MOÇÃO1

Terraços agrícolas em lavouras manejadas sob sistema plantio direto2

A Sociedade Brasileira de Ciência do Solo (SBCS), entidade científica e civil, sem fins lucrativos, tem por missão congregar pessoas e instituições na promoção e no desenvolvimento da Ciência do Solo no Brasil, mediante intercâmbio intelectual daqueles que atuam na pesquisa, no ensino, na divulgação e em atividades técnicas para promover o conhecimento e aprimorar o uso do solo e da água nas mais diversas atividades humanas, com ênfase na agricultura. Para melhor exercer essas funções, a SBCS é cientificamente estruturada em quatro divisões especializadas – Solo no Espaço e no Tempo, Processos e Propriedades do Solo, Uso e Manejo do Solo e Solos, Ambiente e Sociedade – e, para atuar em todo o território nacional, se faz representar regionalmente por meio de Núcleos. Nos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, é representada pelo Núcleo Regional Sul (NRS).

O NRS da SBCS, por meio da Divisão Especializada “Uso e Manejo do Solo”, não ratifica as manifestações, veiculadas de variadas formas e em inúmeros meios de comunicação, referentes ao desuso do terraço agrícola em lavouras manejadas sob sistema plantio direto.

O posicionamento do NRS está alicerçado no fato de que as justificativas para as tais manifestações são sofismas, como o de que a manutenção dos restos de cultura na superfície do solo é prática suficiente para prevenir a enxurrada e controlar a erosão hídrica e o da alegação de que o terraço agrícola prejudica a mecanização das operações de semeadura, pulverização e colheita. Esses sofismas são entendidos como desorientadores, paradoxais e descabidos, pois advêm de pareceres limitados em relação à funcionalidade do terraço agrícola, tais como: os processos implicados na erosão hídrica; os prejuízos econômicos, ambientais e sociais produzidos pelas águas que escoam das áreas cultivadas e atingem os sistemas do entorno, como lavouras adjacentes, áreas com vegetação remanescente, estradas, mananciais hídricos de superfície; a operacionalização da mecanização agrícola. Pelo princípio da precaução, tais manifestações seriam admissíveis, apenas quando embasadas por resultados científicos e circunscritos ao contexto de geração desses resultados.

O terraço agrícola é uma obra de engenharia agrícola constituída por um camalhão e um canal de terra, que requerem dimensionamento e detalhes construtivos a partir do emprego rigoroso dos princípios da hidráulica e de modelos hidrológicos representativos da região-alvo. Essa obra tem por função disciplinar a água da chuva não infiltrada no solo no momento da ocorrência da chuva. A água da chuva detida pelo terraço agrícola pode ser armazenada para posterior infiltração no solo, no caso do terraço em nível, ou pode ser ordenadamente escoada para fora da lavoura, no caso do terraço com gradiente. O terraço agrícola construído em nível, ao permitir que toda a água da chuva se infiltre no solo, alimenta o lençol freático, e, consequentemente, evita que o escoamento superficial atinja diretamente os mananciais de superfície, gere danos aos sistemas do entorno, degrade a malha viária e provoque poluição ambiental. O terraço agrícola com gradiente, ao fracionar o comprimento da vertente, diminui a velocidade do escoamento superficial, aumentando o tempo de concentração e reduzindo e retardando o pico de descarga da bacia hidrográfica onde a área cultivada está situada e, em decorrência, contribuindo para regular o fluxo de seus mananciais de superfície.

É relevante enfatizar que em áreas cultivadas sob sistema plantio direto, o terraço agrícola, ao invés de o que vem sendo manifestado, pode ser avaliado como obrigatório, pois, neste sistema de manejo, os fertilizantes e os defensivos agrícolas são, de modo geral, posicionados na superfície do solo ou na camada de 0 a 10 cm de profundidade do perfil do solo, onde permanecem suscetíveis à ação do escoamento superficial. Nesse contexto, o terraço agrícola, ao disciplinar e harmonizar o escoamento superficial, atua como obra hidráulica promotora de benefícios que transcendem os interesses individuais do estabelecimento rural.

O posicionamento do NRS é de absoluta prudência, diante do desuso de terraços agrícolas em áreas cultivadas sob sistema plantio direto, face à copiosa disponibilidade e indiscutível assertividade e validação de dados científicos referentes à associação do comprimento e da declividade da vertente à aceleração da erosão hídrica e à associação da simples cobertura do solo à incipiente redução do escoamento superficial que produz. É, ainda, de total atenção o fato de que a adoção do terraço agrícola cessa as perdas de fertilizantes, de material orgânico em decomposição junto à superfície do solo e da própria matéria orgânica do solo, resultando no aumento da disponibilidade de nutrientes na solução do solo, redução das doses de adubos requeridos pelas espécies cultivadas e elevação da rentabilidade agrícola. Outrossim, os terraços agrícolas, ao transcenderem os benefícios individuais dos estabelecimentos rurais, contribuem para: o abastecimento do lençol freático; a regularização do fluxo de água requerido para a geração hídrica de energia elétrica; a manutenção da suficiência e melhor qualidade da água destinada ao abastecimento urbano; e, sobretudo, a mitigação de danos decorrentes de estiagens e a amenização ou, até mesmo, prevenção de enchentes.

O conhecimento relativo às técnicas implicadas no dimensionamento hidrológico, na demarcação, na construção e na manutenção de terraços agrícolas está disponível na literatura específica e acessível em plataformas informatizadas e em softwares gratuitos. Terraço agrícola é tecnologia alicerçada em rigorosos princípios da hidráulica e em métricas oriundas de pesquisa científica direcionadas ao uso e manejo do solo envolvendo: características das chuvas (altura, intensidade, duração e tempo de retorno); estrutura do solo e suas propriedades hidráulicas (taxa de infiltração de água no solo); características do relevo (declividade e comprimento da vertente); dimensões particularizadas dos equipamentos utilizados na mecanização da lavoura (largura da semeadora e da plataforma da colhedora); sistema de produção praticado (grão, fibra, feno, silagem, pastagem, fruta, floresta cultivada e suas associações e o modelo de produção praticado); posicionamento na paisagem da área-alvo a receber o terraço agrícola; ambiente do entorno da área-alvo que receberá os terraços agrícolas com condições apropriadas para receber o escoamento superficial ordenado; e, entre outros, traçado de estradas (públicas e internas do estabelecimento rural). Afora esses aspectos, a relação entre terraço agrícola e mecanização agrícola evidencia, de forma indiscutível, que os equipamentos agrícolas requerem redesenhos e ajustes de modo a enaltecerem esta obra conservacionista. Em assim sendo, a mecanização agrícola passará a atuar como ferramenta indutora de sustentabilidade aos sistemas agrícolas produtivos, e não mais como instrumento acelerador da erosão hídrica e empecilho à adoção dos preceitos do conservacionismo, assegurando o abastecimento de matéria prima às inúmeras cadeias alimentares que sustenta, à segurança alimentar e ao bem-estar da sociedade.

Do exposto, o NRS da SBCS avalia que manifestações simplistas e desprovidas de sustentação científica referentes ao desuso de terraço agrícola em lavouras manejadas sob sistema plantio direto, não encontram eco no conservacionismo aplicado à agricultura nos solos dos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, visto que a erosão hídrica não se manifesta unicamente como efeito da energia cinética de impacto produzida pela água da gota de chuva, que é dissipável pela cobertura do solo, mas expressivamente como efeito da energia cinética cisalhante ou de arraste produzida pela água do escoamento superficial, que é dissipável pela desaceleração de seu fluxo mediante o emprego do terraço agrícola e da semeadura em contorno a ele associada.

1 Assinada por: Universidade Federal Fronteira Sul (UFFS) – Campus de Cerro Largo; Associação de Conservação de Solo e Água – ACSA; e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Centro Nacional de Pesquisa de Trigo – Embrapa Trigo.

2 Adaptado do manifesto elaborado pelo NRS da SBCS, em ato ocorrido em Passo Fundo, no dia 13 de julho de 1993 e levado à seção plenária do XXIV Congresso Brasileiro de Ciência do Solo, realizado em Goiânia, GO, de 25 a 31 de julho de 1993, em que, naquela seção, a comissão organizadora do evento, fez pouco caso dessa moção e sequer registrou em ata sua leitura na seção plenária do evento.

Passo Fundo, 17 de setembro de 2024.

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